300, nada de novo, simplesmente um filme*
Quem foi ao cinema esperando encontrar em 300 um épico que desse uma aula de história se decepcionou. Dirigido por Zac Snyder e baseado em personagens dos quadrinhos Os 300 de Esparta, de Frank Miller, o filme, que tinha como aparente proposta levar ao grande público a Batalha histórica de Termópilas, ocorrida em 480 a.C. entre persas e espartanos, acabou decepcionando muita gente.
Cheio de efeitos especiais grandiosos, personagens fantásticos, um som ensurdecedor e um roteiro problemático, que troca diálogos por frases feitas e repetitivas, 300 não escapa das comparações e críticas daqueles que esperavam algo inovador e não uma cópia de outros filmes que foram sucesso de bilheteria.
Quem assistiu ao também adaptado filme As crônicas de Nárnia teve a ligeira impressão de que os animais usados pelos persas nas cenas de batalha pareciam ter saído dos contos fantásticos de C. S. Lewis – lugar aonde deveriam estar até agora. 300, por tentar mostrar um fato historicamente real não precisava ter sido tão fantasioso nesse e em tantos outros aspectos.
O maniqueísmo fica evidente quando se compara os dois exércitos. De um lado os espartanos, defendendo a honra e a glória de Esparta com seus músculos adquiridos pelo grande esforço da equipe de computação gráfica – que, por acaso, desempenhou um fascinante e longo trabalho nesta obra – do outro, os persas, estereotipados, um exército repleto de seres mascarados, negros, deficientes, seres monstruosos, enfim, feios, assim como o comandante destes, Xerxes, uma figura esdrúxula e homossexual – característica essa que não consta nos livros de história, já que Xerxes era casado.
Um fato interessante a respeito da cultura dos espartanos que destoa bastante da imagem divulgada no filme é que eles só podiam manter relações sexuais com mulheres após os 30 anos, antes disso, eles apenas se relacionavam com outros homens, podendo este vir a ser seu companheiro por toda a vida. Para os espartanos, isso ajudava nas batalhas, pois em vez de lutar ao lado de desconhecidos, eles estavam ao lado de seus parceiros. O filme ignora a tradição homossexual dos espartanos, retratando-a de maneira negativa como sendo apenas uma tradição Persa.
“300 tem uma base histórica, mas a licença poética é bem maior. Por exemplo, num estudo que fiz sobre Heródoto, até para entender mais meu papel, não pude nem aplicar o que aprendi sobre o Imperador Xerxes, pois não tem nada a ver. Não vi nada intencional no set de filmagem em relação a este ou aquele povo”, declarou Rodrigo Santoro, intérprete de Xerxes em entrevista à revista Crash do mês de junho, declaração que reforça a idéia de que a produção de 300 não manteve nenhuma preocupação em representar os aspectos históricos que basearam e que estavam por trás da trama dos quadrinhos e, conseqüentemente, do filme.
Também há traços gritantes de eugenia, termo criado para definir o controle social que pode melhorar ou empobrecer as qualidades das futuras gerações, seja física ou mentalmente. A obra mostra que os espartanos “selecionavam” aquelas crianças que no futuro poderiam vir a ser guerreiras e bonitas. Com as demais, era cometido infanticídio, elas eram jogadas aos leões, rejeitadas. A imagem que o filme passa sobre isso é que aqueles que escapavam a essa regra se tornavam mais tarde traidores da pátria.
É fácil encontrar problemas na narrativa do filme, como as desnecessárias cenas de sexo e a subtrama das tentativas de convencer o conselho – retratado, diga-se de passagem, de forma corrupta e até ridícula – a enviar mais exércitos para a guerra, encenadas pela atriz Lena Headley, intérprete da Rainha Gorgo. Cenas como essas são totalmente dispensáveis não só por não terem ligações com a trama principal como por quebrar o ritmo entre uma cena de ação e outra. Além disso, as declarações de afeto da Rainha só constam no filme, já que nos quadrinhos era mantida uma distância sentimental entre os soldados e as esposas.
Com um roteiro raso que pouco se desenvolve, 300 se torna uma mistura de aspectos de vários filmes, como o uso de uma cor predominante nas cenas, um dos símbolos de Sin City – que por acaso é também baseado em quadrinhos de Frank Miller -, as batalhas e as vestimentas de Gladiador, os animais do já citado As crônicas de Nárnia e mais outra meia dúzia de fórmulas que deram certo em outros filmes, mas que só fizeram deste mais um enlatado americano sem ideologia própria que será esquecido em pouco tempo nas prateleiras das locadoras.
*Trabalho redigido para uma das cadeiras da faculdade em 2007